domingo, 28 de março de 2010

FIGURAS

JOAQUIM COSTA



Alto e forte (ossudo e de poucas carnes) terá morrido há cerca de quarenta anos, tendo à volta de 80. Boa alma, trabalhador, valente e desenrascado foi do Barreiro, muito frequentador da Ponte de Mucela, como então era habitual para as gentes das redondezas.



Ainda novo foi emigrante em Belém do Pará onde foi leiteiro ambulante. Naquele tempo as vacas eram levadas pelas ruas e o fornecimento era directo do amojo ao cliente , mugindo directamente para a medida: os clientes por vezes até bebiam pela mesma medida !



Uma vez apareceu-lhe um grupo de rapazotes dispostos a beber sem pagar: “ ó leiteiro bota aí meio litro”. Foi fornecendo e os “clientes” iam fugindo até ter concluído que os restantes já estavam ao alcance das suas capacidades físicas: “joguei dois contra si próprios , correndo os restantes à chapada – “ tap tap tap “ como dizia,



Por lá teve outras encrencas. A última foi com a polícia montada que costumava actuar aos pares. Preso pelo primeiro que surgiu foi avisando que fugiria logo que chegasse o colega e assim fez: montados colocaram-se um de cada lado e o JC com uma mão a cada estribo jogou-os dos cavalos a baixo espantando de imediato as cavalgaduras e pondo-se simultaneamente em fuga.



A vida tornou-se lhe difícil por aquelas bandas, mesmo conhecida que era a sua fibra. Decidiu regressar a Portugal sem delongas.



De volta dedicou-se à agricultura que mesmo naquele tempo já não produzia grandes proventos.



Por cá foi ficando e criando a sua prole, sendo actor de vários episódios, alguns dos quais a merecerem citação.



Teve um incêndio em casa. Só a sua valentia lhe permitiu salvar a mulher, não sem que tivesse ficado com um pouco de nariz a menos.



Um grupo de nómadas de passagem levou a roupa que a mulher tinha ao Sol. Foi na sua perseguição “só na companhia do seu cajado”, mesmo sabendo que do grupo faziam parte alguns homens. Horas depois estava de volta com os haveres que tinham sido roubados.



Andando a lavrar foi alertado pelo carteiro para uma carta que trazia em seu nome. “Eixe para diante, cartas são papeis”. Ó Ti Jaquim olhe que traz dinheiro! “ Aí-ou com dinheiro não se brinca”!



Como foi dito a agricultura não assegurava todas as suas necessidades, já que fumava, comia e bebia “bem”. Valia lhe a Ponte de Mucela onde nos dois estabelecimentos de então gozava do crédito necessário, cujos dois filhos, vendedores em Lisboa, regularizavam saldos quando o visitavam.

domingo, 7 de março de 2010

O ZÉ PEQUENO

Há cerca de 60 anos e com menos de metro e meio de altura, “aterrou” na Ponte de Mucela uma figura amável, simpática e solícita que vindo da Beira Alta, desde logo ficou assim apelidado Zé Pequeno. Já não era criança.


Na época, a Ponte de Mucela era muito mais movimentada: não havia os IP’s – o que obrigava a maior parte do trânsito do Norte a usar a famosa Estrada da Beira – já tinha bomba de gasolina, telefone público – único entre S. Martinho da Cortiça e Vila Nova de Poiares – automóvel de aluguer e duas camionetas de carga, três fornos de cal, padaria, fábrica de resina, estalagem, taberna, mercearia, moenda, lagar e dois carreiros (transportadores em carros de tracção bovina). As camionetas de carreira – assim se chamavam os transportes públicos de então faziam ali paragem obrigatória para reabastecimento dos passageiros – ainda hoje são recordadas as famosas sandes de vitela assada – carga e descarga para as redondezas especialmente passageiros destinados às três bruxas que então havia nos arredores. De tudo isto restam o telefone público, a moenda e um café!

Entretanto foram criados um antiquário, uma empresa de comercialização de materiais de construção e uma oficina auto, estando a ser revitalizada a União da Ponte de Mucela, pessoa colectiva de Utilidade Pública, há anos paralisada.

O industrial e comerciante José Serra Campos deu ao Zé Pequeno alojamento no anexo de um dos seus dois fornos de cal.

O bom do Zé Pequeno facilmente se acomodou e recados não lhe faltavam, especialmente por via das chamadas telefónicas com aviso prévio, alertando os destinatários das redondezas para as horas a que deveriam comparecer, bem como ensinando os caminhos para as três «clínicas» já referidas, recolhendo assim fundos para subsistir, indo a maior parte dos mesmos para vinho.

Desde o tempo das diligências a Ponte de Mucela tinha várias cocheiras (já que ali era local de muda de gado e reabastecimento) que eram disponibilizadas a troco do estrume das bestas para fertilização das terras. Grande parte do transporte de mercadorias era feita por galeras e carroças que ali pernoitavam. Chegavam pela tardinha, arrumavam, dessedentavam o gado no rio, traziam-no para as manjedoiras, para repasto e descanso. Os carroceiros dormiam por lá, nas cocheiras em tempo de frio, ou nas carroças em tempo quente, e por lá comiam os farnéis que traziam consigo, por vezes com reforço de uma sopinha comida na estalagem. Também por lá transitavam enormes rebanhos que, fugindo ao rigor do Inverno na Serra da Estrela, ficavam do Outono à Primavera, sendo muito bem recebidos, porque além de limparem a erva, também fertilizavam os terrenos, especialmente as ínsuas, para posterior sementeira.

O Zé Pequeno era pessoa de inteira confiança, excepto se tivesse vinho à mão: aí bebia até poder e a partir de então passava a dar vivas à República e ao socialismo, independentemente de quem estava presente, nunca tendo sido incomodado, apesar de então serem proibidas tais manifestações! Chamado à atenção respondia invariavelmente: vossas «inxelências» já sabem o meu fraco!

Em consequência das inúmeras pielas deu muitos trambolhões. O mais notado seguiu-se a uma soneca que o Zé Pequeno resolveu fazer no muro em frente do café, ao virar-se, julgando-se certamente na palhota, caiu para a calçada, e aqueles dois metros de altura deixaram-no em mísero estado.

Certo dia, o Zé Pequeno andava com uma daquelas habituais bebedeiras incomodando toda a gente, e foi corrido pela estrada acima, indo pernoitar numa cocheira do também conceituado Marinheiro (de seu nome António Joaquim Coimbra) tendo dado origem a um enorme incêndio, com consequências bem desagradáveis. Por vezes tinha as suas maleitas, e as pessoas diziam-lhe que não tinha juízo, e que mais tarde ou mais cedo 2embarcava”. E ele lá se recompunha – mais copo menos copo – e sempre dizia: “Eu morro no mesmo dia do Sr. José Serra”, que muito estimava. E assim foi, morreram os dois no mesmo dia.

FIGURAS - GENTE QUE DEIXOU RASTO

É a secção que vamos iniciar, dedicada a pessoas que não sendo ou não tendo vivido na Ponte de Mucela por lá deixaram referências mais ou menos válidas que merecem menção.


Começaremos por António Coimbra que foi de S. Martinho da Cortiça, dos mais conceituados motoristas da empresa automobilística arganilense. Um dos que, quando havia lugares em excesso, dava boleia aos miúdos que andavam na escola de Mucela e assim deixavam de ir a pé como era habitual.



Há mais de 50 anos, descia a Serra de São Pedro Dias para a Ponte de Mucela, uma camioneta de carreira da Arganilense, conduzida pelo conceituado motorista António Coimbra, que foi de São Martinho da Cortiça.

Já perto da Portela e por avaria na direcção, houve que imobilizar a viatura o que só a muito custo foi conseguido e com as rodas da frente fora da estrada – nessa altura bem mais estreita – e em equilíbrio precário. Valeu a calma e decisão imediata do motorista ao ordenar aos passageiros a sua mudança para a traseira da viatura até que aparecesse socorro. Assim foi evitado um desastre de consequências drásticas, já que o respectivo local é a ribanceira mais íngreme e funda da descida em apreço.